
Seguindo a tendência de contemplar temas que não constavam nas principais expectativas nacionais, o que aumenta a influência da Redação no resultado final, a proposta de Redação do Enem de 2014 abordou “A PUBLICIDADE INFANTIL EM QUESTÃO NO BRASIL”, tema perfeitamente executável por intermédio da estratégia de condução do texto dissertativo-argumentativo que treinamos ao longo do ano, combinando aspectos que envolvessem, por exemplo, a formação doméstica, a atuação escolar e a interferência do Poder Público em algum aspecto; no caso do tema deste ano, na tentativa de proteger as crianças da abusiva influência midiática.
Vejamos algumas considerações para contextualizar a proposta:
A escolha desse tema tem relação direta com a crescente influência midiática, na sociedade brasileira, sobre crianças, considerando a rentabilidade de persuadir indivíduos a determinadas aquisições e hábitos para os quais eles não dispõem de maturidade suficiente no tocante à interpretação dos apelos consumistas que lhes são direcionados.
Com efeito, por estar em pleno desenvolvimento psíquico, sem realizar, muitas vezes, a diferença entre realidade e ficção, crianças ainda não manifestam a habilidade intelectual necessária para compreender os estímulos da linguagem publicitária e proteger-se deles, o que pode conduzir, por exemplo, ao CONSUMISMO, à EROTIZAÇÃO PRECOCE ou ao desenvolvimento de HÁBITOS ALIMENTARES NÃO-SAUDÁVEIS, constituindo, assim, problema de saúde pública. Além disso, crianças são mais suscetíveis às FRUSTRAÇÕES POR NÃO TER O QUE DESEJAM, o que pode gerar estresse familiar. Todos esses exemplos seriam extrapolações aos textos de apoio.
Nesse contexto relativo ao marketing dirigido ao público infantil, a preocupação internacional com essa influência do “merchandising” sobre crianças é evidente, conforme você pôde observar no TEXTO II da proposta. EUA, França, Noruega e Suécia, por exemplo, possuem normatizações específicas para essa publicidade ocorrer. No Brasil, esse tema é contemplado prioritariamente pelo Código de Autorregulamentação Publicitária, que existe desde 1978, mas outras legislações, como a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código de Defesa do Consumidor, também tratam desse assunto (VOCÊ NÃO TEM OBRIGAÇÃO DE SABER DISSO NA CONDIÇÃO DE CONCLUDENTE DO ENSINO MÉDIO! ESTOU APENAS CONTEXTUALIZANDO O ASSUNTO!). Ademais, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) aprovou uma resolução, em março de 2014, que considera abusiva a publicidade e a comunicação mercadológica dirigidas à criança (pessoa de até 12 anos de idade, conforme o ECA), definindo especificamente as características dessa prática, como uso de linguagem infantil e de pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil, excluindo, todavia, campanhas de utilidade pública referentes a informações sobre boa alimentação, segurança, educação, saúde e outros itens relativos ao melhor desenvolvimento da criança no meio social.
Agora, vamos à Redação de hoje. Sua TESE poderia ocorrer por:
1. OPINIÃO CONTUNDENTE: Opinar negativamente em relação à publicidade para crianças em face da vulnerabilidade delas em um momento de formação de valores, demonstrando que a interferência desse marketing pode apresentar, por exemplo, consequências danosas à saúde e à atuação social desses indivíduos no futuro;
2. CULPABILIDADE: Responsabilizar algumas famílias pela negligência em relação àquilo que seus filhos presenciam na televisão e na Internet ou pela falta de diálogo ou de exemplos concretos no lar sobre hábitos de consumo moderado e de alimentação saudável; algumas escolas, sobre esses mesmos conceitos, e até o Estado, pela atuação insuficiente em regulamentar o que seria abusivo em termos de publicidade para crianças;
3. SUGESTÃO ANTECIPADA: Sugerir que a crescente influência midiática sobre crianças demonstra a necessidade de maior empenho familiar, escolar e governamental na tentativa de evitar consequências negativas desse processo.
Vejamos considerações sobre os textos de apoio:
TEXTO I: menciona uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que considera abusiva a publicidade infantil, e abre a possibilidade (não é obrigação!) de você desenvolver o tema como polêmico, posicionando-se entre a vertente de pais, ONGs e ativistas ou a de anunciantes, emissoras, revistas e empresas que criticam a resolução e afirmam que já há uma entidade específica (Conar) para controlar e evitar abusos. Reitero que não é obrigação sua, numa Redação de conclusão do Ensino Médio, aprofundar-se nessa questão técnica relativa aos dispositivos legais existentes.
TEXTO II: A PUBLICIDADE PARA CRIANÇAS NO MUNDO: explicita predominantemente o tratamento internacional ao assunto, oferecendo uma ampla perspectiva para você entender como se procede em vários países acerca da publicidade para crianças e usar alguns exemplos como parte de seu repertório.
TEXTO III: evidencia a necessidade de educar crianças no sentido de desenvolver nelas senso crítico para se tornarem menos vulneráveis às influências que venham a receber no contexto midiático. Esse texto insinua que mais importante que qualquer legislação proibitiva é uma atuação preventiva e educacional, desenvolvida por instituições formadoras de opinião, com o fito de diminuir a suscetibilidade de indivíduos acerca das propagandas. A meu ver, era o texto fundamental dessa prova.
No desenvolvimento, você justificaria a escolha da tese introdutória com base em uma argumentação consistente. Perceba que o tema deste ano não oferecia tantas perspectivas concretas de atrelamento a fatos históricos ou a obras literárias nacionais, por exemplo. A extrapolação desses textos poderia estar nos exemplos de influências negativas das publicidades, no conhecimento da interferência de personagens infantis no comportamento de alguns jovens, no entendimento da psicologia infantil ou em comentários acerca das legislações existentes sobre o assunto. Fique tranquilo quanto a isso; certamente essa limitação do tema deste ano será considerada no momento de avaliação.
A intervenção da sua Redação permitia, como treinamos durante o ano inteiro, alusão
1. ao dever das famílias, que, a partir do entendimento de que a exemplificação de hábitos de consumo moderado e de alimentação saudável, por exemplo, é crucial para a formação de uma cultura e de um senso crítico que não sejam abalados por quaisquer publicidades, podem contribuir decisivamente para atuação das crianças como consumidoras no futuro. Não basta proibir publicidades; é necessário educar contra excessos;
2. à importância da atuação escolar, no sentido de promover aulas expositivas, palestras, seminários, sobre o malefício de certos hábitos estimulados pelas propagandas, na tentativa de fomentar uma cultura de moderação de consumo, de alimentação saudável, de contentamento com o que já se possui, formando cidadãos mais perspicazes e menos vulneráveis à influência midiática, entendendo que os valores transmitidos pelas mídias não precisam ser aceitos; podem ser discutidos e criticados;
3. à necessidade de atuação mais ostensiva do Estado brasileiro no que tange a aspectos que envolvem, por exemplo, a regulamentação de publicidades para crianças, inviabilizando a exposição desses indivíduos a peças publicitárias que venham a corromper determinados hábitos; a promoção de amplas campanhas de conscientização social, veiculadas pela imprensa e pelas redes sociais, direcionadas às famílias brasileiras, acerca da influência negativa de alguns anúncios para a formação de valores das crianças; o monitoramento de eventuais acordos de restrição de publicidades infantis, por intermédio, por exemplo, do Conar, dos Procons e do Ministério Público, e o incentivo ao exercício de cidadania que envolve as denúncias realizadas pelos próprios cidadãos no que concerne ao marketing abusivo direcionado a crianças.
Pessoal, essas reflexões que expus não constituem o gabarito da Redação; sugeri apenas possibilidades de abordagem desse tema ainda tão controverso no Brasil. Estou absolutamente confiante no bom desempenho redacional de vocês. Vamos esperar o nosso excelente resultado. Forte abraço; estou na torcida.
Prof. Diego Pereira.
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DIEGO PEREIRA é professor da rede particular de ensino do Ceará e, nos últimos anos, consolidou-se como uma das principais referências no Estado na área de Linguagens, códigos e suas tecnologias a partir do seu curso de redação presencial (Curso Prof. Diego Pereira/ Curso Percurso). Ele é autor do livro Curso de Redação para Enem e Particulares, obra com as principais dicas para as provas de redação (com o formato Vestibular tradicional e com o formato Enem).
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